UM POEMA DE NILTON CERQUEIRA

 








INSCRIÇÃO SOBRE PEDRA

 

Um homem fita o epitáfio no túmulo vazio

(mórbido mote em que me fio)

Nele se queda um ilegível lema

Cúmulo do corpo em ato empunhando a pena

 

Na página lápide lapidada

De mãos à morte dadas...

Como pôr o que se precipita da vida

Em tão curtas letras escritas?

 

Que orla de loucura

Que misteriosa aura

Quanta vaidade

(fundida no extremo da coragem)

Depositadas junto a micróbio e cinzas

Na derradeira paragem infinda

 

Numa passagem intensa e rara

Rainer Maria Rilke antecipou

o epitáfio em palavras

Imaginou fixar o sem limite

Inscrevendo aí um além:

“Ser o sono de ninguém”

 

Terá o poeta neste momento sentido

Como se chegando a ser alguém?

Quanto tempo viveria este escrito?

Ou já ali jazia um defunto reticente

Resistindo com sua arma mais potente?

 

 

O sujeito oculto em mármore moldado

Incrusta-se firme ao abrigo do acaso

Na escura forma da urna oca

Redivivo na cor da pétrea tinta

No ritmo de uma pulsação opaca

No calor de um instante de vida ainda

 

Rilke escava aí a letra vivaz

Até rasurar a angústia atroz

Na marca caída da sua voz

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

POESIA

TRÊS POEMAS DE JORGE AMÂNCIO

NOVE POEMAS DE JORGE AMÂNCIO