QUATRO POEMAS DE SANDRO SILVA

 


LENTO DESLIZE

 

(Tributo a Manuel Bandeira)

 

O canto suspenso do vento

na noite que desliza

lentamente no céu.

Ressoa como uivos desaforados

de lobos em matilhas dispersas

a venerarem uma lua fugaz.

 

No beco sem saída

de insidiosas lamentações 

o amanhã é mera abstração.

Frio nevoeiro a se dissipar

pelas paisagens flamejantes

vindas de horizontes hostis.

 

Mas nos adverte o atento poeta:

Para que tanto sofrimento

Se o meu pensamento

É livre na noite?

 

Eis que então o corpo exige:

 

Só mais um passo

    Só mais um gole

        Só mais um canto

 

O canto suspenso do vento

sob a noite que desliza

lentamente no céu.

 

 NEM MAIS SEM MENOS

 

 Foi apenas sexo

 

Sem pressa

ou preço

sem posse

ou peso

 

Sem fim

nem começo

sem nexo

ou desleixo

 

Sem acerto

ou atraso

sem classe

com apreço

 

sem lero-lero

disse-me-disse

despautério

ou mesmice

 

Almas dispersas

corpos exaustos

fartos à beça

 

Foi apenas isso

nem mais

sem menos

 

E o que, afinal

haveria de ser?

 

 INSOSSA

 

Cor insossa e inóspita

 

Que me arde a pele

amarga a língua

entope as narinas

confunde os olhos

insulta os ouvidos

embrulha o estômago

embaraça as ideias

 

Que tem essa falta

Que você me faz.

 

 

VERMELHO SECO

 

Corre um rio caudaloso e enigmático

nos fundos do cercado de minha infância.

Todos os dias ouço sua ruidosa passagem

sentado à mesa do café da manhã

enquanto percebo pássaros a persegui-lo.

 

Rastejando seu ventre sobre as pedras

seu curso grifa de vermelho seco

os cadernos gastos na minha escola

e encharca roupas e brinquedos

esquecidos no quintal ao cair da tarde.

 

Da janela do meu quarto tento avistá-lo

mas ele foge, arredio e sem cerimônias.

É muito sensível ao toque do meu olhar;

não descobri por quais vias ele se recolhe,

tampouco quais margens o remontam

 

Há quem diga que ele passa cabisbaixo

como se estivesse se despedindo

mas sinto que sempre retorna a seu posto

para molhar os meus pés distraídos

quando eu penso estar em pleno voo.

 

 

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