UM POEMA DE CLAUDIA SLAVIERO

 









I

 

Polpa doce, fruto de anaiá;

iguaria no festim

do tempo:

vida.

 

Cumapu desnudo

de corpo-cálice;

amêndoa:

alma.

 

II

 

Não declinar

o ser; unicamente

estar no adorno

de urucum;

na saia de buriti;

estar com Pedah,

jaguardião da mata;

no devir.

 

Dispor a rede

entre os troncos

da véspera

e do amanhã;

partícula pendular.

 

Estar com Kohana;

corpo celeste;

sopro-canto do xamã.

Não possuir; pertencer.

 

III

 

bruma rio acima

brisa soprasoprando

 

paina de munguba rio acima

brisa soprasoprando

 

pluma de cigana rio acima

brisa soprasoprando

 

ikonanim céu acima

Kohana levaelevando

 

bakti to; bakti to 

 

 Notas:

 

anaiá: inajá; palmeira da região norte do Brasil; Tamakore, o ente criador Kanamari, gerou cada povo a partir dos frutos de palmeiras variadas. 


cumapu: phisalis peruviana; pequeno fruto “embrulhado” em casulo semelhante a folha seca. 

 

Pedah: devir-jaguar, entidade Kanamari, responsável por vigiar as matas para que tenham uso sustentável. 

 

Kohana: entidade Kanamari encarregada de guiar e instalar as almas no Céu Interior (Kodoh Naki) 

 

munguba: pachira aquática; cacau-selvagem; árvore de matas inundáveis. 


cigana: ave de zona pantanosa; na cosmologia Kanamari, foi um homem violou as normas de pesca sustentável e transformado por Pedah.

 

ikonanim: alma recém liberta; na cosmologia Kanamari, os tukuna possuem duas almas, uma que vai habitar ao Céu Interior, e outra que retorna ao meio social, através do xamã.
 

bakti to: longe descansar; “(ele) descansou longe”; idioma Katukina-Kanamari

 

 

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