DEZESSEIS HAIKUS E POEMAS BREVES DE JOSÉ RICARDO

 








vento vinha

sob a janela

grãos de areia

 

***

d’água barrenta

saem peixes

ratos afogados

 

***

sepultura de criança

caixa de nike

tênis no meio-fio

 

***

sol se solta

na sola esquenta

calo onde bate

 

***

 

cigarra

sem A

será cigarro

 

***

 

fumo nublado

névoa adentro

caixa de cigarros

***

 

esfolhada do ipê

amarelo

dedos de fumante

 

***

 

terra

homem

Marlboro

 

***

 

Pingos de folhas

gotas são amêndoas

que caem sobre os carros

 

***

 

A terra virou briquete

jardim de infância

das raízes só restou concreto

 

***

 

colunas se levantam

lentamente contra as ondas

 

Calçada se rasga

veias da cidade

dentro do pavimento, esgoto

 

***

 

na paisagem natural

um deus-engenheiro não cria jabuti

faz um gelo-baiano

 

***

sol dissipa seu fogo

adentra a água e aquece

a solidão sob a terra

 

***

 

no caruru de finados

bredo não é quiabo

 

***

 

leite de coco

lembra das bolas

de um cachorro tarado

 

***

estrada para Recife

meus ossos são pedras

calcária sedimentação

 

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POESIA

"A poesia parece estar mais do lado da música e das artes plásticas e visuais do que da literatura. Ezra Pound acha que ela não pertence à literatura e Paulo Prado vai mais longe: declara que a literatura e a filosofia são as duas maiores inimigas da poesia. De fato, a poesia é um corpo estranho nas artes da palavra. É a menos consumida de todas as artes, embora pareça ser a mais praticada (muitas vezes, às escondidas). Uma das maiores raridades do mundo é o poeta que consegue viver só da sua arte. Há dois mil anos, o poeta latino Ovídio dizia que as folhas de louro (com as quais se faziam coroas para poetas e heróis) só serviam mesmo para temperar o assado. E como poderia ser diferente? Como encontrar um modo de remunerar o trabalho e o ofício de um poeta? Rilke ficou treze anos sem fazer um único poema; Valéry, vinte e cinco anos! Outros consumiram boa parte da vida escrevendo uma obra (sem exclusão de outras) : Dante, vinte anos para a Divina Comédia; Joyce, dezessete, para a
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