UM POEMA DE CLAUDIA SLAVIERO
I
Não
haverá Warapekom*; não haverá festa, irmão
O
feitiço foi lançado. Antes da hora incerta,
a
sombra do urubu-rei pousou sobre as gentes.
Kerak*
pintou a lua com sumo de jenipapo;
o
riso foi guardado no trançado de miriti*.
O homem transmudado em terra será também palavra;
palavra-jornada do homem na
Terra,
narrada
ao modo de quem faz caiçuma*;
de
quem mastiga macaxeira, e leveda
o
tempo à espera do Warapekom.
não guardei teus pertences
ou
mecha de cabelo.
não
levarás no percurso
algum
colar de sementes.
irmãos
queimarão tabaco
no
teu lugar de repouso.
dos
olhos brota ribeiro
onde
deitarão o barco.
não
levarás teus pertences
ou
mecha de cabelo.
*
Warapekom: “tempo das frutas”; época de festas ritualísticas consagradas a
entidades kanamari; o ritual funerário Mahwanen é realizado após período
de luto, durante festa ao devir Peda (jaguar)
*
Kerak: irmão transformador; herói mítico, partícipe da criação do mundo
tanamari, com Tamakore
*
Miriti: matéria-prima obtida da palmeira do buritizeiro para artesanato de
cestaria
* Caiçuma: ou cauim; bebida fermentada produzida pelos povos indígenas, à base de mandioca, milho, banana ou pupunha.
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