SETE POEMAS DE NILTON CERQUEIRA

 











ACERCA DO QUANDO 

 

limiar da noite 

sol dissolve-se

quase todo posto

hiância perene

num vislumbre 

experiência rala

halo de dizer

um lapso de poesia

 

 

IMAGEM SOTURNA ASSOMBRA

 

tenebrosa madrugada

cortada ao meio

quando morte

bruta alucinada

ceifou pelo caule

calma do corpo

até talo raiz

até atingir

sumo do assombro

no sono profundo

de pronto desperto

escuro instante

impuro pavor

 

***

 

furo aflora no muro:

rajadas de vento

o escava

 

murmúrio

breve, lento

reverbera o buraco

 

LEMINSKI ON MY MIND

 

I

 

 ego afoito

desfeito em aventura

desfecho letal

ao menos legou

de resto

o peso do golpe

estilo literal

cai na lona

do tatame

duro mudo

das mentes dementes

 

II

 

com quais cabos

soltos

ego apartado,

um corpo chega

a ligar-se a ti?

 

ego ocorre

de repente

ogro num logro

desta glosa

couro da memória

curtido

tarde adentro

curitibano

centro frio

tão ausente

 

III

 

Curitiba existe

agora já meditada

à tua desmedida

de cabo a rabo

catatau de coisas

perdidas descarta

Descartes tonto

dentro da nau

desnorteada no jeito

de navegar leito além

do Barigui, do ego

do ermo reduto

ao sul que sai

do prumo

de si

 

 

SOLUÇÃO DE CONTINUIDADE

 

como em Cummings,

quero o cume mínimo

da palavra

uma vez livrada

do excesso

nas mãos

à obra

sobre a folha

de modo

que a sobra

do acaso

esteja à altura

do esforço

de um olho

na captura

da experiência

expressa

na dobra tênue

que atravessa

o verso

num corte

ao pé da letra

parte poema

um instante

antes dele

perder o fôlego

 

 

PENA SAÍDA DA PÉTALA

 

Rosa é uma rosa

é uma rosa

nunca redundante

rosa rara

em terra arada

no refino da pena

 

Rosa é uma rosa

de ciclo imprevisto

propícia às surpresas

solta pétalas

 

Rosa é uma rosa

dada a espinho

delicado entranhado

no aroma das palavras

sem arremate

 

Rosa é uma rosa

revirada em solo

raso

raiz cultivada

na fina última

flor do Lácio

 

Rosa é uma rosa

coisa que sopra

colorida pelo ouvido

atento

à margem ímpar

fruição fluvial

da língua

 

Rosa é uma rosa

rodeada por aros

dobras sonoras

que rolam

no leito do léxico

 

Rosa é uma rosa

deformada

desprendida de esplendor

ou primavera

deserto incerto

impregna sertão

de afetos matizados

 

Rosa é uma rosa

prosa trêmula

a soar poesia

desigual de si

abrupta rasura

Rosa brota

entorta escrita

 

TÉDIO

 

dos monossílabos

nos versos

de Kuhlmann

incendiário queimado

em fogo ortodoxo

 

a Cummings

pinçando o som

ao pé das letras

em lenta sequência

 

e ainda Yeats

achado à salvo

das loas votadas

ao sepulcro

da fama infame

 

foi você

Augusto

de Campos

autor de encontros

lampejo desperto

voz que induz

ao acerto do erro

 

jeito arteiro

desconcerta

moenda da língua

ousa usa traduz

fino zunido

da matéria prumo

 

resíduo lido

remexido

sob as lápides

abafadas

pelo enfado

insensível

ao vivo

 

num imprevisto

passe de lógica

rasga a capa

concreta letra

escapa e voa

ao vento rasante

 

CACOFÔNICO LAGO DOS CISNES

 

bicho gris grunhe:

corte da cena

envolta no mítico

canto dos cisnes

 

som grave

direto da garganta

golpeia

escuta dócil

ao animal que singra

a calma do lago

 

rompe-se imagem

a beleza

ruída

sangra

 

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